terça-feira, 23 de julho de 2019

Guardanapo

Ritinha queria escrever uma carta, mas não podia. Escreveu então no guardanapo que estava sem utilidade sobre a mesa: "queria que você não tivesse razão".
As palavras não fluíam, estavam engasgadas no peito, tinha medo de deixá-las sair.
"Queria que amássemos mais de uma vez. E queria não transformá-la em você, mesmo que sem intenção." Ela sabia que ninguém ia ler aquele guardanapo, mas continuava o direcionando para alguém, como se num passo de mágica, ou como em alguma ligação de almas, as palavras fossem ser sussurradas baixinho no ouvido de alguém.
Porém, talvez alguém não quisesse mais ouvir suas palavras sussurradas, ou escritas, ou pensadas, ou de qualquer outra forma.
"Mas a cada música que ela aceita ouvir e diz que até está aprendendo a gostar - mesmo que eu saiba que não está -, e a cada toque que aprende a fazer na minha pele (como você fazia) e a cada sim que era seu e que era um não dela", ela continuou, "em cada detalhe há você".
Ela que sempre foi tão a favor da justiça, se encontrou sendo injusta. Sabia que aquilo ainda causaria danos à ela e a outros, mais do que já havia causado antes.
As palavras e os sentimentos eram como veneno, mas doces, viciantes. Não era por mal ou por querer, eles aconteciam em seus pensamentos e a impediam de continuar o dia até que os esvaziasse em qualquer lugar.
Ritinha tinha o peito vazio. Alguém tinha levado parte do seu coração e nunca devolvera. A outra parte estava em pedaços pra tentar abrigar quem precisava de abrigo. Jurara que seu coração inteiro era daquele tamanhinho que havia entregado a ela, afinal não tinha como ela saber que não era, e mesmo assim ela o achava de bom tamanho. Injusta.
Não cabia muito naquele pedacinho de papel, então ela finalizou precocemente: "por fim, ela continua sendo ela e o meu pensamento continua sendo seu".
Passando os dedos levemente pelos traços grossos da caneta, se perguntou qual o sentido daquilo. Cartas que nunca seriam entregues, bilhetes que nunca seriam enviados, destinos que não eram mais cruzados. Talvez alguém achasse melhor assim. Talvez ela também.
Amassou o papel e o lançou em direção ao lixo, e errou. Repousou o olhar sobre o local onde havia caído suas palavras soltas e pensou "não quer mesmo ir embora?". Mas precisava ir. Se levantou, pegou o papel em suas mãos pela última vez, o colocou no lixo e se despediu daqueles sentimentos por hoje.
Até mais podia ser adeus, mas não era opcional. Não pra Ritinha.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Borboletas

Em abril, borboletas rodopiam no estômago. Flores vêm e vão, mas as borboletas ficam. A cada ano, borboletas novas nascem dentro de si. As preferidas dela são as azuis, mas nem sempre são elas que estão presentes. Às vezes são verdes, como esmeraldas. Às vezes, no entanto, são acastanhadas.
De vez em quando aparecem todas de uma vez só. Com a mesma velocidade que vêm, elas se vão, deixando um vazio infinito. O vazio é escuro e frio e ninguém sabe direito o que fazer com ele. Tentam a todo custo preenchê-lo, em vão. O vazio não tem formato e nunca é preenchido completamente. Exceto pelas borboletas que chegam de novo, inesperadamente.
O que nos falam enquanto crescemos é que ter borboletas no estômago é um bom sinal, mas nem sempre é. Às vezes significa “dê três passos pra trás bem devagar e vá embora”, embora possamos entender erroneamente “corra até lá e mergulhe de cabeça”. É raso demais, menina.
Dói essa metamorfose entre lagartas e borboletas. O casulo é aconchegante e o silêncio é acolhedor.
Dizem que é mais seguro ter os pés no chão, mas você nunca vê uma borboleta ser pisoteada sem querer. Elas voam pra longe antes disso acontecer, exceto quando estão machucadas e suas asas não funcionam como deveriam.
Ela queria ser uma borboleta: viver pouco, mas livre, bela; fazer das flores sua casa e do do jardim seu universo. Ela queria ser ao invés de ter.
Por fim, as culpadas não são as borboletas. Culpado é quem as traz. Que bom que ela aprendeu a apreciar a presença e o vazio.

domingo, 31 de março de 2019

I'm still learning to love

Estou escrevendo novamente com a mesma trilha sonora de outrora. Dessa vez, apesar de ter pensado desde ontem em todas as possibilidades, eu não sei como começar.
Talvez deva começar sendo humilde e pedindo desculpa. Sinto muito pelos meus erros. Tenho muito a aprender sobre o que é amar alguém e sobre o que é amar a mim mesma. Às vezes esses dois aprendizados se misturam e eu ultrapasso a linha tênue que há entre se amar e ser egoísta. Acredito que você também já ultrapassou essa linha algumas vezes. Até aqui conseguimos recuperá-la, mas acredito que você não quer mais fazer isso, ou talvez não consiga, e eu não quero lhe julgar.
Nas poucas vezes que imaginei essa situação acontecendo, imaginei que doeria menos do que da primeira vez pela qual fui obrigada a trilhar esse caminho. Eu errei, dói da mesma forma. Nota para mim mesma: o amor sempre machuca quando vai embora, não importa quão avassaladora ou dependente foi a relação (aprendizado número 1).
Meu coração ficou o final de semana inteiro esmagado dentro do meu peito. Faltava uma parte dele, que é você, e talvez ele tenha que se regenerar sozinho, de novo. Além disso,  não dormi, não comi, tremi, chorei e tive dor de barriga. É o efeito desse tipo de abstinência em mim.
Mais uma vez, apesar dos meus esforços, fui ciumenta e impulsiva. Mais uma vez, isso destruiu a nós dois. Mais uma vez eu tentei desesperadamente reconstruir o que eu mesma estava destruindo, mas foi como andar sob areia movediça: quanto mais eu me mexi, mais eu nos afundei. E como num sopro, deixei tudo escapar por entre os meus dedos. Nota para mim mesma número dois: enquanto não se sentir tão boa quanto qualquer outra pessoa, não comece outro relacionamento (nem que isso dure para sempre).
Me perdoe por todas as vezes que eu disse sim quando queria dizer não. Meu maior defeito hoje, aos meus olhos, é sempre querer agradar aos outros, mesmo que isso me desagrade, e está extremamente errado. Sentimentos abafados se acumulam dentro de nós e explodem de uma única vez, e as consequências sempre são, no mínimo, desagradáveis. Nota para mim mesma número três: não faça isso de novo.
Agora, eu quero falar um pouquinho sobre o que eu não errei. Sempre acreditei que ninguém perde por dar amor, perde quem não sabe receber; sendo assim, eu não me arrependo de ter demonstrado meus sentimentos todas as vezes que senti necessidade. Amar alguém e demonstrar que ama não é errado, e eu não consigo participar dos joguinhos que as pessoas insistem em me aconselhar a participar. Eu não sei fingir que não me importo, quando me importo na verdade. Não me sinto bem em tratá-lo mal pra que, numa hipótese doentia, você corra até mim. Não sei fingir que tudo bem perdê-lo, quando não é o que meu coração quer.
O que eu queria na verdade era saber me expressar melhor, mas eu esqueço o que ia dizer quando olho nos seus olhos e quando vejo seus lábios sorrirem pra mim. Talvez tivesse sido mais prudente fazer um check-list do que eu queria dizer.
Só pra deixar registrado: eu gostaria que você tivesse omitido menos coisas e situações. Sei que minhas reações não são calmaria, mas eu tenho tanto medo de ser enganada, que as omissões me engoliram e transformaram toda a minha confiança em você numa bola de neve de medos. Não tiro de mim a responsabilidade de ter que lidar melhor com toda a minha insegurança e meu medo de ser traída, mas, mais uma vez, criei a expectativa de que seria melhor compreendida por tudo que já passei. Nota para mim mesma número quatro: ninguém nunca vai sentir o que você sente, porque só você passou pelas experiências que teve (não espere empatia de ninguém, muito menos de um namorado).
Eu gostaria também que você entendesse melhor a minha necessidade de planejamento. Mais uma vez, é minha responsabilidade lidar com isso e também não devo criar expectativas de empatia da sua parte. Mas eu criei, e expectativas sempre acabam mal.
Ainda nas expectativas estavam você demonstrar seus sentimentos por mim. As formas que eu imaginei você fazendo isso eram: 1) você demonstrar de alguma forma que não queria que fosse o nosso fim; 2) você demonstrar respeito pelos meus sentimentos e não ficar enrolando pra dizer o que já estava óbvio que você iria dizer; 3) você ficar tão mal quanto eu. Nenhuma das formas aconteceu. Nota para mim mesma número cinco: você não tem o direito de deixar alguém apreensivo por vários dias esperando por você ou por alguma resposta sua (não faça isso, lembre-se da dor).
Apesar de tudo, acredito realmente que até aqui ultrapassamos bem os obstáculos de um relacionamento sério aos vinte e poucos anos. Por mais que eu derrame todas as lágrimas do mundo durante os próximos dias (ou semanas), eu dei o melhor de mim aos 22 anos. Eu tentei errar o menos possível, mesmo errando. Tentei amar o máximo possível, mesmo às vezes não conseguindo. Eu tentei ser tudo pra você, mesmo não sendo.
Está doendo e doerá muito mais no futuro próximo, talvez mais em mim do que em você. Mas dessa vez eu sei que vai passar. E de todo o meu coração, espero que aprendamos, mesmo que separados, o que é amar, respeitar, se importar, se doar e compreender alguém. Afinal, eu ainda estou aprendendo a amar.

sexta-feira, 29 de março de 2019

Vamos falar sobre companheirismo

Pelo dicionário, companheiro é um adjetivo substantivo masculino, cujos significados são:
1. que ou o que acompanha, faz companhia ou vai na companhia;
2. aquele que participa das ocupações, atividades, aventuras ou do destino de outra pessoa;
3. homem, em relação à mulher com quem convive maritalmente;
4. interlocutório pessoal.

De todos os significados, somos 3.
Estamos juntos em 3/4 dos finais de semana do ano (1). Além desses, viajamos, participamos de eventos profissionais e acadêmicos, festejamos, descobrimos novos lugares e vivemos novas experiências... juntos (2). Somos namorados há quase 3 anos e fantasiamos sobre o futuro - não tão distante - onde seremos mais do que isso (3).
Não somos 100%, nem eu e nem você. Mas você me cobra uma totalidade que eu não posso lhe oferecer. De certa forma, me conforta saber que ninguém nunca conseguirá.
A duras penas eu aprendi, anos atrás, que ninguém é perfeito. Aprendi a superar e aceitar minhas próprias limitações, e olhar para as do próximo com compaixão e empatia.
Aprendi que ninguém consegue se entregar totalmente a qualquer atividade que seja, inclusive a um relacionamento, pois quando o fazemos, perdemos o chão e o rumo de quem somos e do que queremos pra nós mesmos. Sendo assim, é mais saudável que sejamos 99 ao invés de 100%.
Aprendi também a nunca criar expectativas, mas errei (como eu disse, ninguém é 100%). Com surpresa percebo que você só enxerga o 1% que falta, e eu realmente esperava que você olhasse com mais amor os outros 99. Você não olhou. E, sinceramente, nunca estamos preparados para uma decepção.
Em mais uma noite sem dormir devido a brigas atrás de brigas, me pergunto até onde vale a pena chegar se mesmo com todo o meu esforço, eu sou "meia" pra você. Quantos "sim" indiscriminados e involuntários eu preciso te dar pra ser o suficiente? Eu sei a resposta.
Tenho medo do que está por vir quando ouço faíscas - e não no bom sentido - do outro lado do telefone. Me assusta seu tom de voz e a ausência da doçura do amor.
E você diz que me ama, mas amar é complexo demais pro nosso entendimento, e talvez nenhum de nós saiba de fato como é isso. E eu amo você, mas não assim, e não agora.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Puro, quente e amargo

É fim de tarde e eu sinto o cheiro de nós dois no ar, apesar de estar sentada em uma lanchonete qualquer no meio da poluição onde eu deveria sentir apenas cheiro de café coado.
Você foi há tanto tempo que eu tenho certeza estar sentindo um cheiro inventado pelo meu cérebro doentio que insiste em me auto-destruir de tempos em tempos
Xícaras de café ou de chá nunca fizeram tanto por mim como fazem agora. Principalmente, fazem-me colecionar pensamentos tendenciosos. Refletindo, percebo que me auto-manipulo para pensar em você. Há desculpas pra isso por toda parte.
Se eu te dissesse que aprendi a tomar café preto, você acreditaria? Se eu te contasse que nem coloco açúcar mais, quão chocado você ficaria? Ou talvez você só achasse mais uma besteira da minha parte, como sempre fez sobre tantas outras coisas minhas. O gosto do café lembra o nosso gosto.
Deixamos de compartilhar tanto em todos esses anos que sinto como se não fôssemos mais conhecidos. Talvez eu realmente não te conheça mais, e com certeza nem você a mim. Talvez tenha sido em outra vida que tudo aconteceu, ou talvez sejamos mesmo capazes de construir muralhas psicológicas em torno do que nos infecta e contamina.
Há 2 anos comecei a fazer terapia com psicólogo. Você diria que isso é besteira também. Coincidentemente, foi na mesma época que você apareceu no meu quarteirão como quem gosta da vizinhança e passou para admirar as casas dali. Pena que você passou pra torturar e não admirar. Naquela época, eu fui fruta e deixei você levar todo o meu suco (de novo). Como nos velhos tempos, você me amassou e me torceu até que eu ficasse seca o suficiente pra não parecer nem de longe suculenta. Você não previu que poderiam existir pessoas que gostassem de frutas secas.
E de tempos em tempos eu preciso me replantar, me regar, me fazer crescer novamente, pra que de tempos em tempos você venha me podar e levar o melhor de mim. Mesmo distante, você consegue me cortar, me puxar pra baixo, me prender na gaiola que você cuidadosamente me ensinou a ficar sem questionar. E eu não consigo me deixar ir.
Lembrei da teoria das casas, dos tijolos e de como duas pessoas podem construir um amor. Descobri com certa surpresa que eu não tinha chegado a essa conclusão sozinha. Sempre foi você.
Lembrei das palavras ao vento e de como a nossa casa não foi bem construída. Lembrei das rachaduras, das goteiras, das infiltrações e de tudo aquilo que por fim fez a casa ceder. De certa forma, sempre achei que havia faltado algo...  Foi o alicerce? Ou faltou cimento? Ou o tijolo era de má qualidade? Não entendo nada de construções até hoje.
Pergunto-me se continuar tomando notas sobre esses fatos me faz mais bem do que mal e eu nunca tenho a resposta. Ou talvez não tenha exatamente a resposta que eu gostaria e por isso eu prefiro ficar com o silêncio da contemplação do caos que nos tornamos.
Meu croissant chegou e não é de chocolate, e é melhor assim já que ainda não superei a questão do corpo, do peso... Você já? Costumávamos comer e chorar juntos por questões nem um pouco importantes como essa.
Você foi meu café da tarde fora de hora. Farto demais.
"Um café puro, quente e amargo, por favor". Como fora outrora o nosso amor. Entretanto, agora eu prefiro chá de camomila, quente e doce (naturalmente), no seu devido horário, sem pular ou exagerar a refeição. Chá sem cafeína, sem droga, sem vício. Chá que aquece o coração ao invés de acelerar. Confortável, carinhoso pra alma.
Está na hora de ir, e de deixar ir essa nuvem que tem o seu nome e que ficou fazendo sombra sobre o meu caminho o dia todo. Que você chova em outro lugar, não aqui, não agora, não de novo... Sem dilúvio sobre mim, sem inundações. Se preciso for, segurarei firme o guarda-chuva que carrego comigo.
Não quero sua água em mim, não quero sua correnteza me puxando. Não sei nadar, e você sabe disso. Não vou me afogar dessa vez.
Agora, o único cheiro a me engolir é o de café coado. Esvaziando a xícara pequena e rasa, me deixo digerir todas as palavras aos poucos. E aos poucos faço digestão das minhas próprias lembranças.
Por fim, me levanto e vou embora para onde não haja cheiro de nós dois.