domingo, 2 de fevereiro de 2014

Tirando o mundo das costas


Quão boa reclamona sou?! Porém não sei ser diferente... O que fazer quando tudo anda errado? Quando as inquietações da vida não me saem da cabeça e não há concentração, estudo ou livro que as expulsem? Poderia, sim, tudo ser mais fácil, mas fugiria à regra tratando-se de mim.
Mais uma vez a solidão me assola, querendo causar soluços e choro. Digo não, sem efeito algum. A cabeça gira e parece que eu preciso urgente ir à um psicanalista. Se este fosse Freud, provavelmente buscaria na minha  sexualidade a causa de tudo. Ou na falta dela. Ou na repressão, também dela.
Observo minha letro no papel... Cada traço traduz o que sinto: vontade de atingir a perfeição da vida e sem, infelizmente, ter mérito. Um erro ali, outro aqui, letras que se confundem e confundem outros.
No momento, partes de músicas passam repetidas vezes pelos meus pensamentos. Uma tristeza profunda me atinge. Lembro-me uma vez de ler um texto da época dos primeiros sucessos da fertilização in vitro. Lembro-me bem de que o autor questionou ser bom ou ruim a ausência de pais na criação de uma nova vida, colocou em pauta as questões da ciência conseguir, um dia, criar a vida humana sem um voluntário doador de esperma e uma voluntária de ventre acolhedor.
Fico pensando agora quão bom isso seria. Sabe como é, não tem melhor criação que a da própria vida. Penso nas coisas que eu teria feito diferente se não houvesse na minha rotina mãe, pai, irmão, sangue, estupros, doenças e merda, muita merda. Fico pensando no que teria feito de diferente em relação a vocêvocê e você. Os três "você" que mais marcaram a minha história, assinaram alguns capítulos e me concederam os direitos autorais.
O primeiro você durou dois anos oficiais e um punhado de dias, nada menos, como diria Brás Cubas, meu antigo companheiro das tardes de verão. Aquele, rapaz espertalhão, quebrou-me o coração para sempre. Após ele, sobraram-me algumas esperanças e paixonites (bem poucas, devo dizer).
O segundo você durou 6 meses e uma confusão de medidas. Queimou, apagou e restaram as cinzas que, por traquinagem do destino, não eram cinzas e nem tinham cheiro de fim. Guardei-as como quem guarda as de um parente cremado, com carinho.
Neste meio tempo, dos meus 14 anos até os 16 (anos), escrevi incontáveis textos, hoje apagados por causa do terceiro você. O meu cérebro também fez questão de apagar boa parte da minha memória dessa época, pois como declaram os psicólogos de plantão, após traumas e com a necessidade de continuar caminhando com a vida, o cérebro tenta "resetar". Claro que não com muito sucesso.
O terceiro você ainda dura e sem previsão de ponto final.  Porém, como uma montanha russa. Este declarou-me amor, fez-se perfeito, segurou-me com ambas as mãos. Jurou-me o "felizes para sempre" e cegou-se diante de mim. Colocou-me num pedestal, coroou-me rainha da sua vida, me deu flores e galanteios. Levou-me para passear, cantou-me, tentou me conquistar como nenhum outro antes havia tentado. Conquistou-me. Viramos um só; sorrimos, choramos, dançamos, nos descobrimos. Sentimos ciúmes, fomos inseguros, fomos fortes. Apoiamos um ao outro. Ele transformou-me em alguém muito melhor, em alguém que se importa com o próximo, que mede as palavras, que é cautelosa. Alguém que cuida, que acalma os ânimos. E assim ficamos calmos demais.
Onde antes eu só via perfeição, hoje vejo um caminho de pedregulhos. Quando tudo deveria ser flores, eu fui a seca e transformei as rosas aveludadas em espinhos pontiagudos. Hoje, que preciso ser egoísta, não o sou. Não consigo ser. Meu coração despedaçado sempre pertencerá a ele. Sempre e para sempre.
Uma pessoa sensata, por mais saudade que sinta do passado, não tenta trazê-lo de volta. Eu tentei, eu consegui. Mas para a minha surpresa as coisas foram diferentes.
Agora tudo para mim é dividido, tudo tem dois porquês, duas vontades, duas saudades. Basta saber que me odeio mais que antes, mais do que já me odiei.
E como se os problemas de dentro de mim já não fossem dilaceradores o bastante, há os problemas de fora de mim. Há os meus pais, as brigas e torturas que já citei.
O egoísmo nunca foi tanto o sentimento mais desejado por mim. E que comece a festa, os desejos, a ânsia, a lentidão e a depressão. Falando nesta última, bem-vinda de volta.

“Talvez os amores eternos sejam amenos e os intensos, passageiros. É isso.”
— 
Caio Fernando Abreu